quarta-feira, 20 de abril de 2016

Entrevista com o Professor José Carlos Zirretta - abordagem atual do AVE isquêmico agudo


O acidente vascular encefálico (AVE), também conhecido pelo leigo como "derrame", é a segunda causa mais frequente de morte nos Estados Unidos e responsável por diversas sequelas motoras que reduzem a qualidade de vida daqueles que sobrevivem ao evento agudo. No caso das lesões isquêmicas - que ocorrem por obstrução ao fluxo em algum vaso encefálico -, estratégias de tratamento surgiram ao longo do tempo, o que trouxe novas perspectivas para os pacientes e aqueles que lidam com estes doentes na urgência. Atualmente, o tempo é um fator importante para socorrer o doente que sofre um AVE. Dependendo da extensão da lesão é possível a administração de trombolíticos (enzimas que desfazem o coágulo) ou a retirada mecânica dos trombos, a fim de salvar tecidos que ainda são viáveis, apesar da redução do fluxo sanguíneo. Isso pode ser a diferença para um paciente que chega ao pronto socorro hemiplégico (com paralisia dos movimentos) e tem a possibilidade de ir para casa andando sozinho ou ter acentuada melhora do déficit motor.

Q1- Você é uma pessoa respeitada no Brasil e fora do país como radiologista em intervenção. Como foi o início de carreira na especialidade, em que locais você fez o treinamento e que pessoas foram importantes na sua formação?
Fiz minha graduação em medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Obtive formação básica em Neurociências e Radiologia.
Após o início em Neurorradiologia Diagnóstica e Terapêutica atuei como médico associado da Assistência Pública dos Hospitais de Paris, trabalhando no Grupo Hospitalar Pitié-Salpêtrière, sob chefia e orientação dos professores Jacques Bories, Claude Marsault e Jacques Chiras, na Fondation Ophtalmologique Adolphe de Rothschild com os professores Jaqueline Vignot e Jacques Moret e no Hospital Lariboisière sob chefia e orientação do professor J. J. Merland. Também trabalhei no Neuroradiology Research Center da Interventional Neuroradiology – UCLA, sob direção do professor Fernando Viñuela. Fui “Visiting Professor” do Baylor College of Medicine – Texas Medical Center (TMC), University of Texas, Houston. Atualmente sou chefe do Setor de Neurorradiologia Diagnóstica e Terapêutica e Diretor do NUTI – Núcleo de Terapêutica Intervencionista do Serviço de Radiologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Q2- O que é uma unidade de atendimento ao AVE (“stroke care unit”)?
As unidades de atendimento ao AVEI (acidente vascular encefálico isquêmico) são centros de referência que funcionam 24 horas por dia para oferecer o melhor tratamento aos pacientes com AVEI, sob orientação de protocolos clínicos e assistenciais. Estas unidades foram criadas após as sociedades médicas mundiais reconhecerem o AVEI como uma emergência potencialmente reversível. O fato de existir uma janela terapêutica estreita para uma única terapia eficaz, faz com que seja importante a existência de uma equipe integrada para desencadear o atendimento inicial de maneira rápida e eficiente. Esta equipe é composta por enfermagem especializada, centros de neuroimagem, médicos intensivistas, radiologistas para intervenções neurovasculares e equipe de reabilitação neurológica.

Q3- Qual o intervalo de tempo máximo para trombólise a partir do início dos sintomas de AVE?
A informação mais importante da história clínica é o horário de início dos sintomas, definido como o momento em que o paciente foi visto pela última vez em seu estado habitual de saúde ou assintomático. Para pacientes incapazes de informar (afásicos ou com rebaixamento do nível de consciência) ou que acordam com os sintomas de AVE, o horário de início dos sintomas é definido como aquele em que o paciente foi visto assintomático pela última vez. Para pacientes que apresentaram sintomas que se resolveram completamente e posteriormente apresentaram instalação de novo déficit, o início dos sintomas é considerado como o início do novo déficit.
Existe um código AVE que tem como objetivo  priorizar o atendimento destes pacientes nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) por meio da comunicação com as áreas especializadas. O critério para acionamento deste código é a suspeita de AVE com tempo de início dos sinais e sintomas inferior a 12 horas.
Mesmo na impossibilidade de tratamento trombolítico, este tempo deve sempre ser respeitado, visto que os cuidados clínicos e neurológicos oferecidos aos pacientes nesta fase são determinantes para um melhor prognóstico, assim como atenuação das sequelas.
De maneira geral, a terapia trombolítica endovenosa pode ser indicada até 4 horas e 30 minutos após o início dos sintomas. Alguns fatores devem ser levados em consideração e todos os pacientes são avaliados de uma maneira individualizada, a fim de evitar que o tratamento seja mais danoso que o próprio AVE. Pacientes cujo AVE inicial, visto no exame de imagem, seja muito extenso, não devem receber terapia trombolítica, mesmo que estejam dentro da janela terapêutica, pois o risco de um evento adverso como a hemorragia torna-se elevado. Alguns outros fatores, como idade, comorbidades (hipertensão, diabetes e tabagismo), uso de determinados medicamentos e história de cirurgia prévia também devem ser levados em conta.
Apesar da janela terapêutica ser variável, não é aconselhável o uso de rt-PA intravenoso após 3 horas de início do AVEI, de acordo com os critérios adotados pelas Academias Americana e Brasileira de Neurologia e Comunidade Européia (nível de evidência: EUSI - I).

Q4- Qual a importância dos protocolos de tomografia computadorizada (TC) sem contraste, perfusão e angiotomografia para seleção dos candidatos à trombólise?
Os exames de imagem são fundamentais, por este motivo os serviços devem ser integrados para evitar desperdício de tempo.
A TC permite fazer o rápido diagnóstico de isquemia, assim como identificar outras causas do déficit neurológico que podem simular um quadro clínico de AVEI, como hemorragias, tumores e hematomas extra-axiais.
Outra importância da TC, com o protocolo de perfusão, é avaliar a extensão do infarto cerebral estabelecido, além de identificar e quantificar a possível área de penumbra do evento isquêmico, já que em alguns destes casos não existe evidência de benefícios com a terapêutica trombolítica.
A avaliação da extensão e gravidade das lesões isquêmicas pode mudar a conduta do especialista. Atualmente existem diretrizes de  quantificação da lesão isquêmica, como os critérios ASPECTS, criados para padronizar a interpretação e a documentação destes achados.
A angiotomografia do crânio e pescoço deve ser realizada conjuntamente e é muito útil no estudo de doenças oclusivas das artérias carótidas e na identificação de pontos de obstrução arterial em segmentos intracranianos.

Q5- Existe um papel para ressonância magnética (RM) na seleção desses doentes?
A RM na fase aguda caracteriza de forma mais adequada as lesões isquêmicas, mesmo antes de ter expressão tomográfica e avalia melhor a fossa posterior, região sujeita a artefatos na TC.
O uso associado da RM com as sequências de difusão e perfusão permite escolher os pacientes candidatos à trombólise, por meio da identificação da lesão isquêmica e estimativa do seu tamanho, assim como avaliação da extensão da área de penumbra (mismatch) e eventual detecção do mecanismo causador da lesão isquêmica.
A RM tem papel muito importante na triagem destes pacientes, sendo adotada atualmente em vários centros de atendimento de primeira linha, porém a pouca disponibilidade nos serviços públicos do Brasil, bem como o tempo relativamente longo de execução do exame, faz com que seja reservada para casos duvidosos ou com indicações muito específicas.
Apesar da importância da RM, ela não exclui a TC e a angiotomografia e pode, na verdade, contribuir para o aumento do tempo de permanência do paciente em avaliação, o que posterga a instituição da trombólise mecânica.

Q6- O que é a trombólise mecânica, como é realizada e em que estágio de utilização ela se encontra atualmente?
A trombólise mecânica consiste na retirada mecânica por via  intra-arterial do trombo causador da isquemia. A partir de um acesso femoral, navega-se por meio de catéteres finos (microcatéteres) pela circulação arterial até atingir o trombo, realizando a desintegração do mesmo por meio de instrumentos que permitem a recanalização do vaso e reperfusão imediata do território isquêmico. Estudos atuais mostram beneficio real em pacientes tratados com até 8 horas de inicio dos sintomas na circulação anterior e 12 horas no território vertebrobasilar.
Trombos maiores, localizados em segmentos proximais da circulação intracraniana, são geralmente devastadores devido à grande área isquêmica que produzem e à dificuldade de dissolver o trombo apenas com a trombólise química. Ao longo da história, vários dispositivos foram desenvolvidos no intuito de retirar esses  trombos: balões que quando expandidos “colam” o trombo à parede da artéria, permitindo a passagem do sangue, o dispositivo merci@, que funciona como um saca-rolhas, cateteres associados à bombas de sucção com o objetivo de aspirar o trombo etc.
O ano de 2015 foi de grande relevância científica para o avanço da técnica de trombólise mecânica. Vários estudos multicêntricos foram publicados em revistas renomadas, mostrando, em casos selecionados, a superioridade da trombólise mecânica - por meio de dispositivos chamados stentrievers -  associada à trombólise química quando comparada a trombólise química isoladamente.
Todos esses estudos evidenciaram uma maior taxa de reperfusão, assim como uma melhor qualidade de vida para estes pacientes.

Q7- No Brasil, mais especificamente Rio de Janeiro, existem centros de atendimento ao AVE? Estariam preparados para trombólise mecânica?
Existem hospitais que estão se preparando para o atendimento primário e específico do paciente com AVEI agudo. Não entanto são muitas as dificuldades operacionais, financeiras e humanas para sua pronta viabilização.
Existem hospitais e grupos hospitalares em operação, mas sempre com múltiplos graus de dificuldades para este tipo de tratamento em tempo hábil. É importante se levar em conta também o tamanho da cidade e seu sistema de transporte. Em geral é mais fácil implantar este serviço em pequenas cidades satélites a grandes centros, como acontece na Europa.

Q8- Qual o custo do trombolítico (rtPA) e dos materiais de intervenção necessários para o tratamento do AVE agudo? Existe cobertura pelos planos de saúde?
Em relação ao custos das drogas fibrinolíticas assim como dos diferentes materiais e instrumentos para a revascularização mecânica, estes são variáveis e também refletem as flutuações cambiais e de mercado.
O preço final é dado por negociação entre o hospital, fornecedor e seguro de saúde.

Cabe lembrar que o custo do procedimento será sempre menor que aquele pago pela sociedade para manter um paciente internado por longo tempo e assisti-lo indefinidamente na eventualidade de uma sequela.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Complicações abdominais da dengue

A infecção pelo vírus da Dengue apresenta-se, em geral,  de forma subclínica e quando sintomática, manifesta-se sob um espectro variado de apresentações. A forma clássica da doença caracteriza-se por febre, geralmente alta (39 a 40c), de inicio súbito após período de incubação de 4 a 7 dias, que acompanha cefaleia, dor musculoesquelética, dor retro-orbitária e prostração. O exantema maculo papular clássico, presente em 50% dos casos, manifesta- se em até 3 ou 4 dias após a lise febril, acompanhado ou não de prurido. Anorexia, náuseas, vômitos e diarreia não volumosa podem estar presentes. Os sintomas costumam ser mais graves nos extremos etários. As características centrais dos casos graves de dengue, e que motivam maior atenção para sinais de alarme no curso da infecção, são fenômenos hemorrágicos e o choque hipovolêmico.

Dor abdominal é uma queixa comum e associa-se à presença de ascite (VPP90%) e ao choque (VPP82%). Hepatomegalia palpável é encontrada em até  75% dos pacientes, com variável esplenomegalia. Derrame pleural em radiografia de tórax pode ser encontrado em mais de 80% dos casos e, quando em associação a achados laboratoriais que revelam aumento do hematócrito e hipoalbuminemia, podem prover medidas objetivas da perda plasmática. Porém, o exame ultrassonográfico apresenta sensibilidade superior a 95% na detecção de líquido livre em cavidade pleural, ascite e edema parietal vesicular (que não representa, necessariamente, colecistite). Acúmulo de líquido perirrenal e pararrenal podem ser evidenciados em 77% dos pacientes graves submetidos ao exame, assim como derrame pericárdico e acúmulo de líquido subcapsular hepático e esplênico. Em até 40% dos pacientes, há evidencias ultrassonográficas de aumento pancreático, podendo estar associado a aumento dos níveis séricos de amilase e lipase. A presença de derrame pleural e peritoneal está associada a casos graves de Dengue.

Referências Bibliográficas:
 Bennett, John E., Raphael Dolin, and Martin J. Blaser. Mandell, Douglas and Bennett’s Principles and Practice of Infectious Disease. Elsevier Health Sciences, 2015.

Chandak, Shruti, and Ashutosh Kumar. "Can radiology play a role in early diagnosis of dengue fever?." North American Journal of Medical Sciences 8.2 (2016): 100.

Ministério da Saúde (BR)^ dSecretaria de Vigilância em Saúde. "Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança." (2011).

Khurram, Muhammad, et al. "Ultrasonographic pattern of plasma leak in dengue haemorrhagic fever." JPMA. The Journal of the Pakistan Medical Association 66.3 (2016): 260-264.

Vabo, Karen Amaral do, et al. "Achados ultra-sonográficos abdominais em pacientes com dengue." Radiol. bras 37.3 (2004): 159-162.

Texto do aluno de graduação da UERJ, Emerson Gomes







sábado, 16 de abril de 2016

Bursite do olécrano

Bursite é a inflamação de uma bolsa, que é um saco de paredes finas revestido de tecido sinovial. A função da bolsa consiste em facilitar o movimento dos tendões e músculos sobre as proeminências ósseas. As forças friccionais excessivas decorrentes do uso excessivo, traumatismo, doença sistêmica (ex: artrite reumatoide, gota) ou infecção podem causar bursite do olécrano que ocorre na parte posterior do cotovelo.  Entesopatia calcificada do tríceps pode estar associada.
O diagnóstico é clinico, a bursite do olécrano é muitas vezes assintomática. Os achados incluem dor de início súbito e que piora com o movimento da estrutura comprometida, podendo haver restrição funcional. O aumento do volume costuma ser bem evidente na bursite e a articulação do cotovelo é poupada.
Quando a área fica inflamada agudamente, deverá ser feito diagnostico diferencial com infecção (bursite séptica) ou gota, aspirando a bolsa e realizando a coloração Gram e cultura do liquido, assim como examinando esse liquido para a presença de cristais de urato.
A USG mostra espessamento das partes moles periarticulares, distensão líquida da bolsa, cujo conteúdo pode ser anecoico homogêneo ou, nos casos de gota por exemplo, hiperecoico por material anormal no interior da coleção. Em geral, o aspecto é inespecífico pela USG. O Doppler mostra hiperfluxo vascular na parede da bolsa.

O tratamento inclui repouso, identificação e correção do fator desencadeante (desalinhamentos, traumas, atividade profissional, esportes, germes isolados), gelo (o calor pode ser agravante nas formas agudas), aspiração diagnostica e de alivio da bolsa com infiltração de glicocorticoides (uma vez excluída infecção) e AINES, cuja resposta ocorre em até uma semana.

Texto da aluna de graduação da UERJ, Natália Rufino