O acidente vascular encefálico (AVE),
também conhecido pelo leigo como "derrame", é a segunda causa mais
frequente de morte nos Estados Unidos e responsável por diversas sequelas
motoras que reduzem a qualidade de vida daqueles que sobrevivem ao evento
agudo. No caso das lesões isquêmicas - que ocorrem por obstrução ao fluxo em
algum vaso encefálico -, estratégias de tratamento surgiram ao longo do tempo,
o que trouxe novas perspectivas para os pacientes e aqueles que lidam com estes
doentes na urgência. Atualmente, o tempo é um fator importante para socorrer o doente que sofre um AVE. Dependendo da extensão da lesão é possível a
administração de trombolíticos (enzimas que desfazem o coágulo) ou a retirada
mecânica dos trombos, a fim de salvar tecidos que ainda são viáveis, apesar da
redução do fluxo sanguíneo. Isso pode ser a diferença para um paciente que
chega ao pronto socorro hemiplégico (com paralisia dos movimentos) e tem a
possibilidade de ir para casa andando sozinho ou ter acentuada melhora do
déficit motor.
Q1- Você é uma pessoa respeitada no Brasil
e fora do país como radiologista em intervenção. Como foi o início de carreira
na especialidade, em que locais você fez o treinamento e que pessoas foram
importantes na sua formação?
Fiz minha graduação em medicina na
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Obtive formação básica em Neurociências
e Radiologia.
Após o início em Neurorradiologia
Diagnóstica e Terapêutica atuei como médico associado da Assistência Pública dos
Hospitais de Paris, trabalhando no Grupo Hospitalar Pitié-Salpêtrière, sob
chefia e orientação dos professores Jacques Bories, Claude Marsault e Jacques
Chiras, na Fondation Ophtalmologique Adolphe de Rothschild com os professores
Jaqueline Vignot e Jacques Moret e no Hospital Lariboisière sob chefia e
orientação do professor J. J. Merland. Também trabalhei no Neuroradiology
Research Center da Interventional Neuroradiology – UCLA, sob direção do
professor Fernando Viñuela. Fui “Visiting Professor” do Baylor College of
Medicine – Texas Medical Center (TMC), University of Texas, Houston. Atualmente
sou chefe do Setor de Neurorradiologia Diagnóstica e Terapêutica e Diretor do
NUTI – Núcleo de Terapêutica Intervencionista do Serviço de Radiologia do
Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Q2- O que é uma unidade de atendimento ao
AVE (“stroke care unit”)?
As unidades de atendimento ao AVEI
(acidente vascular encefálico isquêmico) são centros de referência que
funcionam 24 horas por dia para oferecer o melhor tratamento aos pacientes com AVEI, sob orientação de protocolos clínicos e
assistenciais. Estas unidades foram criadas após as sociedades médicas mundiais
reconhecerem o AVEI como uma emergência potencialmente reversível. O fato de
existir uma janela terapêutica estreita para uma única terapia eficaz, faz com
que seja importante a existência de uma equipe integrada para desencadear o atendimento inicial
de maneira rápida e eficiente. Esta equipe é composta por enfermagem
especializada, centros de neuroimagem, médicos intensivistas, radiologistas
para intervenções neurovasculares e equipe de reabilitação neurológica.
Q3- Qual o intervalo de tempo máximo para
trombólise a partir do início dos sintomas de AVE?
A informação mais importante da história
clínica é o horário de início dos sintomas, definido como o momento em que o
paciente foi visto pela última vez em seu estado habitual de saúde ou
assintomático. Para pacientes incapazes de informar (afásicos ou com
rebaixamento do nível de consciência) ou que acordam com os sintomas de AVE, o
horário de início dos sintomas é definido como aquele em que o paciente foi
visto assintomático pela última vez. Para pacientes que apresentaram sintomas
que se resolveram completamente e posteriormente apresentaram instalação de novo
déficit, o início dos sintomas é considerado como o início do novo déficit.
Existe um código AVE que tem como objetivo priorizar o atendimento destes pacientes nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) por meio da comunicação com as áreas
especializadas. O critério para acionamento deste código é
a suspeita de AVE com tempo de início dos sinais e sintomas inferior a 12
horas.
Mesmo na impossibilidade de tratamento
trombolítico, este tempo deve sempre ser respeitado, visto que os cuidados
clínicos e neurológicos oferecidos aos pacientes nesta fase são determinantes
para um melhor prognóstico, assim como atenuação das sequelas.
De maneira geral, a terapia trombolítica
endovenosa pode ser indicada até 4 horas e 30 minutos após o início dos sintomas.
Alguns fatores devem ser levados em consideração e todos os pacientes são
avaliados de uma maneira individualizada, a fim de evitar que o tratamento seja
mais danoso que o próprio AVE. Pacientes cujo AVE inicial, visto no exame de
imagem, seja muito extenso, não devem receber terapia trombolítica, mesmo que
estejam dentro da janela terapêutica, pois o risco de um evento adverso como a
hemorragia torna-se elevado. Alguns outros fatores, como idade, comorbidades
(hipertensão, diabetes e tabagismo), uso de determinados medicamentos e
história de cirurgia prévia também devem ser levados em conta.
Apesar da janela terapêutica ser variável,
não é aconselhável o uso de rt-PA intravenoso após 3 horas de início do AVEI,
de acordo com os critérios adotados pelas Academias Americana e Brasileira de
Neurologia e Comunidade Européia (nível de evidência: EUSI - I).
Q4- Qual a importância dos protocolos de
tomografia computadorizada (TC) sem contraste, perfusão e angiotomografia para
seleção dos candidatos à trombólise?
Os exames de imagem são fundamentais, por
este motivo os serviços devem ser integrados para evitar desperdício de tempo.
A TC permite fazer o rápido diagnóstico de
isquemia, assim como identificar outras causas do déficit neurológico que podem
simular um quadro clínico de AVEI, como hemorragias, tumores e hematomas
extra-axiais.
Outra importância da TC, com o protocolo
de perfusão, é avaliar a extensão do infarto cerebral estabelecido, além de
identificar e quantificar a possível área de penumbra do evento isquêmico, já
que em alguns destes casos não existe evidência de benefícios com a terapêutica
trombolítica.
A avaliação da extensão e gravidade das
lesões isquêmicas pode mudar a conduta do especialista. Atualmente existem diretrizes de quantificação da lesão
isquêmica, como os critérios ASPECTS, criados para padronizar a interpretação e
a documentação destes achados.
A angiotomografia do crânio e pescoço deve
ser realizada conjuntamente e é muito útil no estudo de doenças oclusivas das artérias
carótidas e na identificação de pontos de obstrução arterial em segmentos
intracranianos.
Q5- Existe um papel para ressonância
magnética (RM) na seleção desses doentes?
A RM na fase aguda caracteriza de forma mais adequada as lesões isquêmicas, mesmo antes de ter expressão
tomográfica e avalia melhor a fossa posterior, região sujeita a artefatos na TC.
O uso associado da RM com as sequências de
difusão e perfusão permite escolher os pacientes candidatos à trombólise, por
meio da identificação da lesão isquêmica e estimativa do seu tamanho, assim como avaliação da extensão da área de penumbra (mismatch) e eventual detecção do mecanismo causador da
lesão isquêmica.
A RM tem papel muito importante
na triagem destes pacientes, sendo adotada atualmente em vários centros de
atendimento de primeira linha, porém a pouca disponibilidade nos serviços
públicos do Brasil, bem como o tempo relativamente longo de execução do exame,
faz com que seja reservada para casos duvidosos ou com indicações muito
específicas.
Apesar da importância da RM, ela não exclui
a TC e a angiotomografia e pode, na verdade, contribuir para o aumento do tempo
de permanência do paciente em avaliação, o que posterga a instituição da trombólise mecânica.
Q6- O que é a trombólise mecânica, como é
realizada e em que estágio de utilização ela se encontra atualmente?
A trombólise mecânica consiste na retirada
mecânica por via intra-arterial do
trombo causador da isquemia. A partir de um acesso femoral, navega-se por meio
de catéteres finos (microcatéteres) pela circulação arterial até atingir o trombo, realizando a desintegração do mesmo por meio de
instrumentos que permitem a recanalização do vaso e reperfusão
imediata do território isquêmico. Estudos atuais mostram beneficio real em
pacientes tratados com até 8 horas de inicio dos sintomas na circulação
anterior e 12 horas no território vertebrobasilar.
Trombos
maiores, localizados em segmentos proximais da circulação intracraniana, são geralmente devastadores devido à grande área isquêmica que produzem e à
dificuldade de dissolver o trombo apenas com a trombólise química. Ao longo da
história, vários dispositivos foram desenvolvidos no intuito de retirar esses trombos: balões que quando expandidos
“colam” o trombo à parede da artéria, permitindo a passagem do sangue, o
dispositivo merci@, que funciona como um saca-rolhas, cateteres associados à
bombas de sucção com o objetivo de aspirar o trombo etc.
O ano de 2015 foi de grande relevância
científica para o avanço da técnica de trombólise mecânica. Vários estudos multicêntricos foram
publicados em revistas renomadas, mostrando, em casos selecionados, a
superioridade da trombólise mecânica - por meio de dispositivos chamados stentrievers - associada à trombólise química quando
comparada a trombólise química isoladamente.
Todos esses estudos evidenciaram uma maior
taxa de reperfusão, assim como uma melhor qualidade de vida para estes
pacientes.
Q7- No Brasil, mais especificamente Rio de
Janeiro, existem centros de atendimento ao AVE? Estariam preparados para
trombólise mecânica?
Existem hospitais que estão se preparando
para o atendimento primário e específico do paciente com AVEI agudo. Não entanto
são muitas as dificuldades operacionais, financeiras e humanas para sua pronta
viabilização.
Existem hospitais e grupos hospitalares em
operação, mas sempre com múltiplos graus de dificuldades para este tipo de
tratamento em tempo hábil. É importante se levar em conta também o tamanho da
cidade e seu sistema de transporte. Em geral é mais fácil implantar este
serviço em pequenas cidades satélites a grandes centros, como acontece na
Europa.
Q8- Qual o custo do trombolítico (rtPA) e
dos materiais de intervenção necessários para o tratamento do AVE agudo? Existe
cobertura pelos planos de saúde?
Em relação ao custos das drogas
fibrinolíticas assim como dos diferentes materiais e instrumentos para a
revascularização mecânica, estes são variáveis e também refletem as flutuações
cambiais e de mercado.
O preço final é dado por negociação entre
o hospital, fornecedor e seguro de saúde.
Cabe
lembrar que o custo do procedimento será sempre menor que aquele pago pela
sociedade para manter um paciente internado por longo tempo e assisti-lo indefinidamente na eventualidade de uma sequela.
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