A quinta entrevista do projeto de extensão foi realizada com o Prof. Rodolfo Acatauassú, da Disciplina de Cirurgia Torácica do HUPE/UERJ e ex-diretor geral da mesma instituição.
Tive o prazer de acompanhar desde o início o projeto de estudo volumétrico de nódulos pulmonares, por isso sou testemunha de que uma ideia necessita de desbravadores que possam levá-la adiante e convencer, no bom sentido, outras pessoas a somar esforços e acreditar no sucesso de um empreendimento. A sua trajetória científica por meio do projeto de volumetria de nódulos pulmonares repete num nível mais restrito, a marca que ele impôs à gestão do HUPE durante oito anos: persistência e tenacidade.
Q1- Conte-nos de forma reduzida sua trajetória acadêmica e profissional como professor da UERJ e cirurgião de tórax.
Entrei como aluno na Faculdade de Ciências Médicas
em 1971, concluindo o curso em 1976. Posteriormente fiz a Residência em
Cirurgia Geral no HUPE e após, complementei a Residência em Cirurgia Torácica
em 1979. Em 1980 fui admitido como médico do Serviço de Cirurgia Geral do HUPE,
sendo lotado na Cirurgia Torácica, sob a Chefia do Prof. Antônio Ribeiro Netto.
Simultaneamente cursei mestrado e, após o doutorado na UFRJ no Programa de
Cirurgia Geral – Setor torácico. Em 1997 fui aprovado no concurso para docente
em Cirurgia Torácica e logo assumi a Coordenação da Disciplina, já com o
falecimento do Prof. Antônio Ribeiro Netto. Em 1999, iniciamos os estudos sobre
nódulo pulmonar, com a participação de alunos do Programa de Iniciação
Científica – PIBIC da UERJ em parceria com o Laboratório Tec-Graf da PUC – Rio,
o Instituto de Matemática Pura e Aplicada - IMPA e o Instituto Fernandes
Filgueiras-IFF da Fiocruz, onde eram feitas as tomografias para a volumetria já
que o HUPE não dispunha de um Tomógrafo Helicoidal. À mesma época participei da
Comissão de Implantação do Centro Universitário de Controle de Câncer - CUCC,
na qualidade de coordenador, e após um extenso trabalho de uma equipe multi e
interdisciplinar, bem como o apoio das autoridades foi conseguido, através do
projeto do CUCC, a construção do prédio com recursos da Petrobrás e a
instalação do primeiro Tomógrafo Helicoidal do HUPE, em 2002. Também no mesmo
projeto, foi conseguida toda uma aparelhagem na área de imagem, endoscopia,
laparoscopia e radioterapia, advindas do Ministério da Saúde, através do INCA. Além
de beneficiar várias áreas do HUPE, este novo parque possibilitou iniciar um
Ambulatório de Cirurgia Torácica especializado em Nódulos Pulmonares, até hoje
existente. Também nesta época estreitou-se a parceria com o Departamento de
Informática da Universidade Federal do Maranhão na área de informática, uma
parceria até hoje mantida e que já resultou em diversas publicações, a maioria
em revistas internacionais. Em 2004,
defendi a Tese sobre “ Estudo Volumétrico de Nódulos Pulmonares” para obtenção
do Título de Livre- Docência pela UNIRIO. Mesmo no período que exerci a Direção
do Hospital Universitário Pedro Ernesto (2008-2015), foi possível manter aos
sábados, o atendimento aos pacientes do Ambulatório de Nódulos Pulmonares, que
persiste ainda hoje, sem interrupção, congregando mais de 300 pacientes.
Q2- O que é nódulo pulmonar solitário? Qual
a importância clínica deste tipo de situação?
Nódulo pulmonar é uma lesão de forma esférica com
até 3 cm de diâmetro, circundado de parênquima pulmonar normal. A principal
importância clínica desta lesão é a possibilidade do diagnóstico precoce do
câncer primário de pulmão, uma neoplasia de alta mortalidade que, em países
desenvolvidos supera em número, a soma das mortes pelo câncer de próstata,
câncer de mama e câncer colorretal, estas últimas mais sujeitas ao diagnóstico
precoce e com maior responsividade aos diversos tratamentos. Com o advento dos
modernos métodos de imagem, sobretudo os novos tomógrafos multicanais, vem
aumentando o achado incidental de nódulos pulmonares o que representa também um
desafio diagnóstico, pois uma parte significativa destes nódulos é de natureza
benigna. Por outro lado, os nódulos pulmonares podem também ser de origem
metastática, o que aumenta a responsabilidade na sua identificação.
Q3- O que é a volumetria do nódulo de
pulmão e como nasceu a ideia de estudar estas lesões por meio da tomografia?
A Volumetria visa determinar o volume do nódulo
pulmonar a partir dos cortes da Tomografia Computadorizada e de contornos
definidos por um processo de segmentação, automática ou semi-automática.
Através do estudo com estruturas sintéticas de volume conhecido, desde logo foi
verificado que a tomografia com cortes finos tem uma precisão bastante grande
em aferir não somente o volume em si, como também detectar pequenas adições de
volume. Embora na prática clínica diária o tamanho do nódulo seja ainda
referido pelo seu diâmetro, esta forma de medida não seria a maneira mais
precisa de trabalhar, pois o diâmetro pode variar em função da porção do nódulo
em que o corte foi efetuado e isto se torna especialmente verdadeiro se o
nódulo tem irregularidades em seus contornos. Por outro lado, o volume computa
todo o nódulo e forneceria uma mensuração mais adequada. Outro aspecto
importante é que como a TC pode perceber pequenas variações volumétricas, pode
ser feita, mesmo em curto intervalo de tempo, a determinação do tempo de dobra
( doubling –time), uma função exponencial, para aferir a atividade biológica de
uma lesão. Idealmente, não bastaria saber que uma dada lesão de 10 mm é um
câncer, mas, sim a velocidade com que ela está crescendo. Assim, por exemplo,
existem certos casos de câncer de pulmão em que a lesão dobra a cada 40 dias,
enquanto outras dobram a cada 1000 dias. Isto, naturalmente, terá repercussão
terapêutica.
Q4- Qual o papel das várias instituições
parceiras da UERJ no projeto do estudo volumétrico dos nódulos?
Atualmente, a parceria envolve o Laboratório de
Informática da Universidade Federal do Maranhão, sob a responsabilidade dos
Professores Aristófanes Correia e Anselmo Paiva e o Laboratório Tec-Graf da PUC
– Rio, coordenado pelo Prof. Marcelo Gatass. A UFMA tem convênio com a UERJ e
vem desenvolvendo com nossa disciplina frequentes teses que resultam em
trabalhos publicados não somente sobre aspectos volumétricos dos nódulos, mas principalmente
sobre sua textura. Os Laboratórios da UFMA e da PUC – Rio desenvolveram o
software BEBÚI, que vem sendo utilizado para as segmentações dos nódulos e diversas
análises, através de estatísticas de pixels, que são os pontos formadores da
imagem. Alunos de Informática da PUC e UFMA e de Medicina da UERJ, que
trabalham no projeto, têm contribuído para o desenvolvimento do tema.
Q5- No momento, qual a recomendação oficial
das principais entidades médicas sobre a pesquisa tomográfica de nódulos
pulmonares em grupos de risco?
O rastreamento do câncer de pulmão em grupos de
risco, composto em especial por pacientes fumantes, com carga tabágica maior
que 20 maços.ano, vem sendo estudado em todo o mundo desenvolvido,
principalmente a partir do ano 2000. Utiliza-se para esta finalidade uma
Tomografia de Baixa Dose, que diminui a irradiação, sem prejudicar a imagem, que
aproveita o contraste aéreo natural do pulmão. Apesar de muitos resultados iniciais
promissores terem ocorrido, somente em 2011, quando foi publicado um estudo
multicêntrico americano do National Lung Screening
Trial, com duas coortes com cerca de 27.000 pacientes em
cada braço, é que foi incontestavelmente verificado um aumento de detecção e
uma mortalidade por câncer de pulmão, cerca de 20% menor, naqueles pacientes
submetidos ao rastreamento por tomografia computadorizada quando comparados com
aqueles que realizavam o rastreamento apenas com radiografia simples de tórax.
A par deste importante resultado, consolidou-se também um importante efeito
colateral, representado por um alto
percentual de nódulos benignos, principalmente de pequenas dimensões, e que enseja
a necessidade de mais trabalhos. Embora não seja ainda liberado o rastreamento
por TC com baixa dose como prática de saúde pública, pois aguardam-se novos
estudos em andamento, já vem sendo considerada uma boa prática clínica
individual, a realização de uma Tomografia Computadorizada de baixa dose em um
paciente de risco para câncer de pulmão.
Q6- Além da volumetria, que outras
características obtidas pela análise computacional dos nódulos podem ser
importantes para caracterização destas lesões?
Uma das características mais conhecidas além do
volume são as variações da textura do
nódulo. Hoje é muito bem aceita a importância da textura em vidro fosco – GGO (
Ground Glass Opacity), da textura
mista (sólida e vidro fosco) e da textura exclusivamente sólida, no âmbito dos
nódulos pulmonares, revelando a expressão de tumores com diferentes ritmos de
crescimento. No entanto, existe uma possibilidade muito grande de uso de
ferramentas computacionais, aplicando métodos de análise de outras áreas de
conhecimento, como, por exemplo, a geo-estatítica, para estudar a distribuição
dos pontos formadores da imagem do nódulo pulmonar e que, individualmente,
representam os diferentes coeficientes de atenuação à passagem dos raios X,
expressos visualmente em tons de cinza. Existem centenas de tons de cinza, que
o Sistema Visual Humano é incapaz de separar, mas que os métodos computacionais
podem fazer. Desta forma, abre-se um mundo de possibilidades que pouco a pouco
vêm sendo exploradas, sobretudo em trabalhos internacionais, e que podem trazer
novas e importantes contribuições, não só para a TC, como também, no futuro
próximo, para a Ressonância Magnética, que está se delineando como muito
promissora para o estudo dos nódulos pulmonares, congregando a vantagem de não
irradiar o paciente. Esta nova linha de pesquisa está sendo objeto de um
planejamento conjunto entre a Disciplina de Cirurgia Torácica e de Radiologia.
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